A condução guiada para o processo de aprendizagem

Um treino rico e desafiador, com complexidade, propensões e especificidade, que conduza os atletas a solucionarem os problemas do jogo é o nosso maior desafio.

Carlos Pimentel

5/4/20243 min ler

Muito se fala sobre treinamento, seja na formação ou no alto nível, e eu diria, uma formação de alto nível, como premissa de um bom trabalho.

Aqui o papel dos técnicos, educadores físicos e todos correlatos confere um relevante nível de responsabilidade e importância.,

Por muito tempo e, ainda hoje, pudemos presenciar práticas autocráticas de treinamento, onde o “professor” é aquele personagem centralizador, que determina o conteúdo e a forma como quer que seja executado.

Nessa perspectiva, pouco espaço há para o novo, para o intuitivo, para o espontâneo e muito do que ocorre é a replicação de comportamentos, engessamento, perca da fluidez e robotização.

Treina-se o que fazer, como fazer e quando fazer. Treina-se o exercício e a execução.

Mas será que é disso que se trata o jogo? Será possível tanto determinismo? Será plausível tamanha previsibilidade?

Não é incomum escutarmos, nas mais diversas rodas, que o futebol está chato. Que todos seguem o mesmo roteiro, afinados pelo mesmo diapasão. Pouco ou quase nada de novo se apresenta e cada vez mais repete-se aquilo que esta cristalizado.

Onde estaria o problema? Necessidade de resultado imediato? Manutenção do emprego? Medo? Simplismo? Arrogância?

Será que essa letargia não acelerou a importação de profissionais de outras culturas na expectativa pelo novo e pelo diferente?

Talvez falte um ajuste das lentes com as quais olhamos o próprio jogo, naquilo que ele tem de mais essencial. A aleatoriedade, a imprevisibilidade, a plasticidade multiforme e em constante transformação. E, principalmente o protagonismo.

Por muito tempo cismamos em concorrer por esse protagonismo, até com certa ingenuidade, acreditando possuirmos o poder e a condição de controlarmos todos os processos, em especial os relacionados ao jogo “jogado”.

Mas qual então, um possível “ajuste de rota” que colabore com o intrincado desenvolvimento de equipes e atletas e, da mesma maneira, conduza o nosso jogar para o caminho da efetividade e assertividade?

O primeiro, a meu ver, passa pelo entendimento que o Jogo é do Jogador, ele é o protagonista do espetáculo e que possui, portanto, a capacidade final da execução. Mas calma, isso não é nenhuma insurgência ou menosprezo da importância e relevância do nosso papel como treinadores.

Trata-se apenas um realinhamento de visão. Um caminho válido, sem dúvida, passa pelo entendimento que somos facilitadores, organizadores, inspiradores, gestores desse ecossistema, o que não é pouco, porém jamais, donos do mesmo.

Somos, sem dúvida, vendedores de idéias, mas em hipótese alguma devemos invocar as patentes das mesmas.

Como facilitadores e educadores dos nossos atletas, devemos nos concentrar na solução de problemas. Isso mesmo! Cabe a nós, municiarmos e ampliarmos o repertório de situações treináveis e especificas do jogo, para, cada vez mais, potencializarmos a autonomia e capacidade desses atletas, diante das situações adversas, tornando-os assertivos e efetivos.

Quanto maior for o repertório adquirido, leitura da situação problema, seletividade de possibilidades, capacidade de escolha, e rapidez na execução de uma solução, maior será a autonomia, o envolvimento, o crescimento, a confiança e o impacto que cada um desses atletas promoverá na equipe. E, por arrasto, maior será não somente a fluidez do jogar, mas certamente, também, a capacidade criativa, de liberdade e improviso.

Um treino rico e diverso de desafios, com complexidade e propensões, com especificidade e que tenha como objetivo maior, treinar a capacidade dos atletas solucionarem os problemas do jogo, com imprevisibilidade, aleatoriedade e contextualidade é o nosso maior desafio.

Ao invés de respostas prontas e tantas vezes falhas, devemos optar por apresentarmos caminhos e possibilidades, sermos intervenientes pontuais, capazes de desempenharmos a condução guiada do processo, é assim, favorecermos a aprendizagem, a efetividade e respeitando, acima de tudo, o protagonismo dos atletas.