Sobre a Tomada de Decisão (parte 2)

Será que nossos jogadores saíram melhor de uma sessão de treinos do que entraram?

Carlos Pimentel

10/5/20234 min ler

Há muitos anos atrás, ainda na faculdade, durante um congresso em São Paulo, recebemos alguns dos nossos colegas de turma. Dentre eles, algumas pessoas que não conheciam a capital. Para chegarmos ao local do evento, fizemos uso do metrô. Enquanto aguardávamos na plataforma de embarque, orientamos a um de nossos colegas que se aproximasse em direção ao vagão afim de evitar dificuldades. Como dito ao ouvir o barulho da composição se aproximando, nosso coleta rapidamente se aproximou da extremidade da plataforma de embarque. Nesse momento, percebendo que o mesmo vinha em alta velocidade, de pronto, sinalizou com o braço esticado para que o mesmo parasse…

Pois é, o que rendeu muitas risadas ao longo de anos, nada mais foi que uma tomada de decisão orientado pelo funcionamento cerebral daquele colega. Vamos entender melhor.

Como um depósito de memórias de experiências pregressas, anteriores, vividas, nosso cérebro é uma máquina extremamente inteligente e eficiente, ou seja, busca o tempo todo codificar sinais e apresentar respostas da maneira mais rápida e econômica possível. Para isso, o repertório de situações a que já foi exposto e continuamente ainda é, cria uma espécie de seletividade nas informações.

Voltemos ao exemplo anterior. A realidade diária que nosso colega era exposto, para suas atividades rotineiras, implicava na utilização de ônibus como meio de transporte na sua cidade. Para tal, a maneira de sinalizar à parada do mesmo para o embarque no ponto de rua, era exatamente estendendo um dos braços, assim como praticamente todos nós ja fizemos em algum momento da vida. A questão aqui é que esse era o código predominante que o cérebro sinalizava para a relação passageiro-meio de transporte-embarque. Logo, ainda que submetido a outro meio de transporte, com sua especificidade desconhecida, o cérebro sinalizou o mesmo comportamento para a mesma relação passageiro-meio de transporte-embarque. Percebe a lógica?

É exatamente por isso que afirmamos no artigo anterior que, não basta a exposição de horas a fio a estímulos repetitivos como, por exemplo, ficar chutando todo dia a bola no gol depois do treino. O que precisamos é uma estimulação que, além da execução técnica obtida na repetição, também nos traga variabilidade, repertório, imprevisibilidade e qualidade, ou seja, complexidade.

Podemos aqui afirmar que não devemos nos preocupar com o “quanto” se faz, mas com o “como”, com o “porque”, com o “quando” e com o “para que” faremos.

Entender isso é de fundamental importância para que possamos elaborar processos mais ricos e eficazes de treino. Trazendo autonomia, capacidade criativa e decisiva para os nossos atletas.

Aqui, se faz necessário mais uma intervenção. Muitas vezes, na busca frenética de um treino complexo, submetemos nossos atletas a uma exposição de estímulos de tal ordem de dificuldade, que ao invés de promovermos a evolução adaptativa, na verdade, “confundimos a cabeça” e retraímos a tal evolução.

Desafio a cada treinador ou facilitador a se perguntar: “será que nossos jogadores saíram melhor de uma sessão de treinos do que entraram?” Aqui precisamos colocar nossas vaidades de lado, pois, muitas vezes nos debruçamos com tanto afinco na elaboração das atividades, cuidando de tantos detalhes, regras, divisões, proporções, que nos auto-sabotamos na análise sincera do que fizemos. Muitas vezes, inclusive, ficamos frustrados por não termos obtido o planejado.

O ponto que quero chegar tem a ver com o que a Neurociência indica para o funcionamento cerebral no processo de aprendizagem e que está diretamente relacionado com o que pretendemos aqui, ou seja, a construção de um estímulo correto a melhoria da tomada de decisão.

Vejamos no nosso cérebro, o Córtex Pré Frontal. Esse emaranhado de estruturas (que chamamos na ciência de Giros e Cíngulos) possui na sua plasticidade estrutural funções muito específicas e determinadas. Esta região cerebral está relacionada ao planejamento de comportamentos e pensamentos complexos, expressão da personalidade, tomadas de decisões e modulação de comportamento social.

É portanto uma área cerebral da maior importância para nosso tema. Mas não só ele. Há ainda, no complexo cérebro humano uma fusão de áreas denominada como sistema límbico.

O Sistema Límbico é um conjunto de estruturas cerebrais interconectadas que processam emoções, comportamentos motivados e memória. Ele é composto por várias áreas do cérebro, incluindo tálamo, amígdala, córtex pré-frontal, giro do cíngulo, hipotálamo, hipocampo e outros núcleos cerebrais. À ele está relacionado o que chamamos de “Sistema de Recompensa”.

Basicamente a lógica do funcionamento daquilo que faremos (comportamentos), processados no córtex pré-frontal, sofrerá as influências das nossa emoções e memórias (afetivas inclusive), provenientes do sistema límbico.

Situações, portanto, que nos cause prazer, satisfação e alegria tendem a ter um padrão de aprendizagem, memorização e atenção mais facilitados. O oposto também é verdadeiro. Quando expostos a estímulos que nos amedrontem, nos deixem inseguros ou situações de grande dificuldade, que gerem frustração, tendem a dificultar o processo de aprendizagem.

Uma das consequências dos estímulos cerebrais é a liberação de substancias (neuro-transmissores e hormônios) que permitem a sequência de impulsos nervosos das células cerebrais (neurônios). Essas substâncias também são relacionados a sensações de stress (adrenalina, cortisol) ou saciedade e prazer (dopamina, serotonina).

É nesse ponto que precisamos potencializar nossos atletas ao desenvolvimento da tomada de decisão, mediante um ambiente complexo, específico, desafiador, mas antes de tudo, atingível e prazeiroso. Isso trará a positivação neural, memorização e retenção da situação de êxito.

Entender o limite momentâneo de cada atleta (não adianta colocar todos no mesmo balaio) é o primeiro passo para evoluí-lo. Cada ser humano é único e precisa da nossa total atenção.

A compreensão que as coisas não caminham de maneiras fragmentadas, mas sim, respeitando a lógica sistêmica facilitará o processo e a obtenção de resultados. Com a devida especificidade, inteireza e integralidade. Atletas que se movem sim, mas, na mesma medida, também pensam e sentem.

Se desejamos formar atletas com um amplo repertório de situações vivenciadas, solucionadas e adquiridas, para que, quando confrontados com um dilema, tenha plena condição de escolha e escolha correta, precisamos antes compreender qual lógica está por trás dessa relação ensino-aprendizagem, ou como queiram, treinador-atleta, e ainda, treino-desempenho.

Situações como seletividade de atividades, variabilidade de estímulos, hierarquia de princípios do jogo, seguem uma lógica coletiva, mas de igual maneira uma lógica individual. Isto nos mostra, inclusive, porque alguns atletas “amadurecem” mais cedo que outros, ou porque, apesar de repetirmos tanto, muitas vezes não aprimoramos.

Fato é que muitas vezes desperdiçamos talentos precocemente, que poderiam se desenvolver, porque foram “comparados a outros” ou “subjulgados seletivamente”.

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Afinal, Esse é o Nosso Jogo!