Sobre o espaço no jogo de futebol

NA MAIORIA DOS CENÁRIOS, NÃO É O HOMEM DA BOLA QUE DECIDE AONDE A BOLA VAI, MAS OS JOGADORES SEM A BOLA. AS SUAS AÇÕES SÃO AS QUE DETERMINAM O PRÓXIMO PASSE

Carlos Pimentel

5/18/20243 min ler

Respeito ao nosso espaço é um dos valores que mais defendemos na nossa vida em sociedade. Porém na lógica do jogo de futebol a realidade é bem diferente.

Por se tratar de um jogo de invasão, assim como a portar da bola, o espaço é o “ativo” mais valioso.

Poderíamos ainda compara-lo a um jogo de tabuleiro que tanto sucesso fez décadas atrás: War!

Nele, assim como no futebol real, conquistar espaços faz parte da estratégia principal, levando o conquistador a uma vantagem competitiva sobre o adversário.

É claro que as coisas não se definem assim tão superficialmente. A conquista dos espaços não ocorrem de maneira tão automática e linear. No jogo real espaços são conquistados sim, mas em constante proporção também são perdidos. Então mais uma faceta estratégica se faz necessária: devemos preservar os espaços conquistados, evitando ao máximo possível esse ganha e perde.

Para isso é fundamental que pensemos o futebol como um compilado de mini jogos dentro de um grande jogo. Ainda que a resultante final não seja a simples aritmética e equivalência de quem ganhou mais mini jogos, ganhará o jogo principal, esse raciocício permite, ao menos, densidade à lógica espacial do jogo.

Mas vejamos, como dito, precisamos ganhar espaços, preservar os espaços ganhos, impedir ao máximo que o adversário ganhe os nossos espaços, e assim sucessivamente. Até agora muitos podem argumentar que o espaço que realmente importa é aquele onde está a bola, tendo em vista que o mais perto que ela, a bola, estiver do gol adversário, maiores serão nossas chances de obter um tento. Mais uma vez, num raciocínio cartesiano, onde as partes são fundamentais e a somatória delas equivalem ao todo, tal maneira de pensar encontra sentido.

Mas, para nós, o jogo de invasão e a articulação das partes obedecem uma lógica sistêmica. Nessa o todo é sempre maior que a soma das partes. Vejamos então. Como resolver esse dilema entre lógicas e raciocínio? Um dos caminhos razoáveis é expandirmos o espaço para além da bola. Esse é importante, sem dúvida, e nos referimos como centro de jogo. Podemos sugerir inclusive toda circunferência num raio de 9,17 metros ao redor de onde a bola estiver, incluindo todos os atletas com e sem a bola, de ambas as equipes, que estiverem nesse espaço, como atuantes do centro de jogo. Note, porém, que ao mudarmos a bola de posição para alem dessas dimensões, mudamos consequentemente também o centro de jogo. E assim realizamos por todo um jogo, com itinerância do centro de jogo.

Ai podemos dizer que, para um jogo de invasão, algumas situações podem ser, e na verdade são, interessantes:

1- se minha idéia principal é conquistar novos espaços e progredir com a bola por eles, preciso de posições estratégicas pré ocupadas nesses espaços;

2- que todas as minhas ações ocorram em determinadas frações de tempo, quanto menos elementos eu tiver em determinado centro de jogo, menor será a abordagem contra mim, consequentemente, maior será o meu tempo de processamento e execução;

3- se olhamos ao todo como um sistema, para que as partes não fragilizem o todo, precisamos da mesma articulação de sentido, do equilíbrio sistêmico, que ora fornece opções de proteção, de recomeço, de superioridade, de avanço, de rupturas.

Todas as situações acima fazem referência ao “espaço de jogo”.

Por fim, para que esse sistema possa se reorganizar a cada ruptura, seja de avanço ou retrocesso, para que possa cada vez mais proteger a bola e transportá-la para outros lugares (espaços) e, inclusive, para que possamos recupera-la, o mais rápido possível, quando da perca transitória da mesma, precisamos de uma condição especial: que saibamos ocupar de maneira intencional e adequada o espaço disponível.

Isso passa por não virmos concorrer pelo mesmo espaço de um companheiro, inclusive o do portador da bola; isso passa também por não ocuparmos espaços “encobertos”, ou seja, que já estão ocupados por um adversário ou mesmo, que permita uma abordagem simultânea do mesmo; e passa ainda, por ocuparmos espaços de “dúvida”, ou seja, locais e situações onde o adversário terá que fazer uma escolha, que fragilize uma das posições defensivas ocupadas.

Seja qual for a situação, dentro de uma lógica sistêmica, assim como dizia Cruiff “NA MAIORIA DOS CENÁRIOS, NÃO É O HOMEM DA BOLA QUE DECIDE AONDE A BOLA VAI, MAS OS JOGADORES SEM A BOLA. AS SUAS AÇÕES SÃO AS QUE DETERMINAM O PRÓXIMO PASSE”.

Se quisermos a fluidez no nosso jogar, com conquista de território, com manutenção das posições alcançadas, com o direcionamento correto da bola, e inclusive, da retomada da estabilidade ao perder a mesma, temos que considerar a importância do espaço para a boa pratica do jogo de futebol.

Até a próxima.