Sobre o que estamos treinando

Ao invés de treinarmos exercícios devemos treinar para que nossos atletas apresentem soluções aos problemas do jogo.

Carlos Pimentel

5/25/20242 min ler

Ao selecionarmos os conteúdos das nossas sessões de treino e ainda, os conteúdos e as dinâmicas de cada exercício, temos, por certo, a intenção de adaptar, melhorar, incrementar e refinar a capacidade de jogo da nossa equipe.

Muitas vezes, no ímpeto de promover essas transformações somos tentados a formas mirabolantes, com exercícios esteticamente complicados, mas pobres em conteúdo.

Basta uma rápida procura em mídias sociais temáticas para encontrarmos um verdadeiro arsenal de possibilidades.

Mais do que auxiliar o desenvolvimento de uma ideia de jogo, esse recurso de reprodução consiste numa armadilha condicionante do processo de treino e desenvolvimento de atletas.

O grande problema está na reprodução do que julgamos bonito, legal ou inovador. Quanto mais diversificado for, melhor. E nesse ponto passamos a treinar o exercício por si só.

Desafiados somos, portanto, a refletirmos sobre o que estamos efetivamente treinando?

Para respondermos de maneira direta precisamos, antes, realinhar nossas lentes de entendimento de duas características fundamentais acerca do futebol: aleatoriedade e imprevisibilidade.

Ainda que o jogo de futebol contenha uma repetição de padrões, que alguns chamam de comportamentos ou aculturações e, aqui, preferimos nos referir a aquisições táticas, fato é, que não existe uma linearidade sistemática com a qual os eventos de um jogo se repetem. O futebol é uma atividade orgânica, viva, com plasticidade e em constante transição.

Nisso, reside e aleatoriedade de eventos, no espaço e no tempo, assim como a imprevisibilidade de situações impostas.

Daí o porque não devemos cair em armadilhas do determinismo e da previsibilidade. Note que num único jogo, casa atleta muda de direção cerca de 900 vezes, toma em torno de 2400 decisões e fica em média tão somente 90 segundo com a posse de bola.

E como podemos resolver isso? Um dos caminhos possíveis, e, a meu ver, mais adequado, é orientarmos a seleção de nossas atividades e de nossas sessões à um princípio muito caro no treinamento: que é o princípio das propensões.

Nele estabelecemos um norte (ideia de jogo) e a partir daí construímos um processo complexo de aquisições que expressem, a todo instante, em toda dimensão, as ideias fundantes do nosso jogar.

Nisso reside o treino, não na reprodução estética do que mais nos impressiona, mas na execução, a todo instante, da matriz escolhida. Treino esse, que independentemente da densidade, intensidade, volume, número de atletas, espaço de campo, regras e, tantas outras variáveis controláveis, deve, obrigatoriamente, ser expressão do jogo que queremos jogar.

Podemos manipular essas variáveis o quanto quisermos afim de atingirmos nossos objetivos, aumentando ou reduzindo a escala do treino, porém, jamais empobrecendo o mesmo.

Só assim, inseridos num processo contínuo, específico e complexo, poderemos responder a pergunta acima: o que de fato estamos treinando?

A resposta para a questão, a meu ver, passa pela noção que ao invés de treinarmos exercícios, devemos treinar a capacidade de nossos atletas resolverem problemas e apresentarem soluções durante os inúmeros momentos do jogo.

Diante de situações complexas, ricas, desafiadoras e progressivas, mas que facilitem e conduzam a fluidez dos processos do jogo com efetividade e autonomia.

Até a próxima.